Picasso

 

 

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Pablo Picasso (1881, Málaga - 1973, Mougins)

Pintor e escultor espanhol, é o artista mais considerado da primeira metade do século, aquele cujo nome se tornou sinónimo, para o público, daquilo que a Arte Moderna tem de exagero e cuja obra não parou de reservar suspresas e exigir permanentes re-leituras. Já na infância, ele demonstra aptidões excepcionais para o desenho e para a pintura (cria o seu primeiro quadro - um picador na arena - com oito anos), enquanto o pai, professor na Escola de Artes e Ofícios e conservador do Museu de Málaga, o inicia na corrida. Mau aluno nas disciplinas gerais, fascina-se somente pelo ensino da técnica artística. "Com doze anos, afirmará, desenhava como Rafael", e o pai oferece-lhe as suas tintas e pincéis, deixa de pintar e contenta-se a ensinar, na Coruña e depois em Barcelona a partir de 1985. Na capital catalã, o jovem Pablo Ruiz foi facilmente admitido no segundo ano da Escola de Belas-Artes , "La Lonja". No Outono de 1897, passa também o concurso de admissão na Academia Real de San Fernando, que não frequenta durante muito tempo. Doente, parte para convalescer na Horta de Ebro, em casa do seu amigo Paillares (pretenderá mais tarde afirmar que aprendeu tudo o que sabe, no contacto com os camponeses). De regresso a Barcelona, liga-se a J. Sabartes e a Carlos Casagemas, e frequenta o cabaret Els Quatre Gats - onde se reúne a juventude intelectual e um pouco boémia da cidade: na sua pintura abandona o academismo, trabalha zonas planas à japonesa, alonga as figuras segundo a influência de El Greco. Os seus desenhos incisivos, onde capta com realismo os hábitos, são fixados nas paredes da taberna - para a qual realiza em 1898 um cartaz representando-o com os seus amigos. 
De 1900 a 1904, efectua quatro viagens a Paris, onde se instala, na sua primeira estadia, em casa de Nonell. Aí pinta o Moulin de la Galette, e expõe em 1901 no Vollard, cenas tauromáquicas, e o L'Enfant au pigeon (National Gallery, Londres). O suicídio (por amor) do seu amigo Casagemas inspira-lhe Évocation (MAMVP) e dois retratos de cores violentas: a pintura, calimentada pelas visitas às galerias parisienses, hesita entre diversas influências, de Velasquez a Lautrec, mas a partir de 1901, uma tonalidade azul começa a impor-se, "azul como o fundo húmido do abismo e piedoso" (Apollinaire), enquanto que as figuras surgem solitárias e tristes (Arlequin et sa compagne, Museu Pouchkine, Moscovo). Em Barcelona em 1903, os camafeus [quadros de tons sombrios] de azul atingem toda a sua intensidade na La Vie (Cleveland Museum of Art) e na La Célestine: o realismo frio e o simbolismo estão neles unificados. Definitivamente regressado a Paris em 1904, Picasso instala-se no Bateau-Lavoir, onde o período azul termina durante o Verão. No Outono,conhece Fernande Olivier, sua companheira durante os próximos sete anos, e acede, graças aos amigos que o rodeiam (Salmon, Jacob, Van Dongen, assim como Apollinaire) e apesar das enormes dificuldades materiais, a uma relativa serenidade, traduzida pelas novas tonalidades rosas. Este "período rosa" retoma os temas já tratados do circo e dos boémios para lhes dar uma versão mais suave, onde os retratos de crianças são particularmente cuidados. O Portrait de Gertrude Stein (1905-1906, MoMA) marca o seu fim: o rosto torna-se anguloso, os olhos esquematizam-se em amêndoas, e Picasso, nos últimos meses de 1906, interessa-se simultaneamente por Cézanne (de quem são mostradas dez telas em Outubro no Salon d'automne) e pela escultura ibérica. Femme se coiffant e Deux Nus (MoMA) apresentam já a estilização escultural longe do visível imediato. 
De Maio a Julho de 1907, Picasso cria, talvez para responder à La Joie de vivre de Matisse (exposta nos Indépendants em Abril), a sua tela mais audaciosa, preparada por numerosos estudos, e que inaugura o cubismo: três rostos destas Demoiselles d'Avignon são re-trabalhados depois de uma visita ao Museu de Etnografia do Trocadéro, onde o pintor descobre a Arte Negra à qual nunca tinha ligado importância, até então. A tela não será exposta antes de 1916, mas os seus amigos vêem-na no seu atelier: é unanimamente a estupefacção, senão mesmo a incompreensão, mas a aventura do cubismo segue o seu percurso, com Braque encontrado no final de 1907. Picasso tinha provocado na Arte Pictórica uma revolução que abre possibilidades ainda impensáveis, e aplica nas telas que seguem as Demoiselles os seus novos princípios de construção das figuras por adição de formas geométricas com um toque totalmente livre (Nu aux bras levés, 1907, col. Thyssen-Bornemisza) e sem efeito de perspectiva. Em 1908, algumas naturezas-mortas e paisagens são submetidas ao mesmo tratamento, e a decomposição analítica das formas atinge uma multiplicação dos signos geométricos, integrando letras e palavras, até o motivo se tornar quase impossível de ser reconhecido (Portrait de Kahnweiler, 1910, Art Institute, Chicago, Homme à la mandoline, 1911, Museu Picasso, Paris): esta refutação dos hábitos perceptivos propõe uma apropriação decerto conceptual do tema, que deve ser intelectualmente reconstruído a partir de diferentes pontos de vista simultaneamente oferecidos. A partir de 1911, a utilização da cor viva é re-introduzida por planos salpicados. Enquanto os exemplos destes trabalhos são expostos regularmente em França, Alemanha, Espanha, Rússia e no Armory Show, Picasso cede a uma notoriedade ambígua: sinceramente admirado por alguns e violentamente contestado por outros, ele influencia os jovens artistas e reúne à volta do seu nome os defensores do cubismo. Sobre as telas de 1912 inscreve-se o nome da nova mulher amada: Eva. Os papiers collés, onde se desenham traços a carvão, permitem um regresso às superfícies claras, aproximando-se quase da abstracção (Guitare de 1913, Museu Picasso), enquanto são criadas numerosas Construções em cartão, madeira, chapa metálica e fios, inscrevendo no espaço real objectos do quotidiano (viola, guitarra, copo) com uma equilibrada audácia: é a articulação de planos e de volumes não imediatamente realistas que reconstitui a presença do objecto com a sua densidade particular, numa oposição constante entre o vazio e o cheio, o convexo e o côncavo (Mandoline et clarinette, 1913, Bouteille de Bass, verre et journal, 1914, Museu Picasso). Com esta produção, Picasso escultor, cujas obras anteriores, a partir de 1902, ainda eram clássicas ou ligadas às influências do primitivismo, junta-se completamente à criatividade do pintor. O cubismo terá sido para este último, para além de um "período" da sua trajectória, o meio de indicar a possibilidade de substituir as convenções tradicionais, por outros sistemas de representações. A partir do que tudo se torna razoável. 
As últimas obra do cubismo histórico, em 1915-1916, demonstram uma qualidade francamente decorativa ou aprazível (Homme à la pipe, 1915, Art Institute, Chicago, Arlequin, 1915, MoMA) que anuncia o fim da ofensiva ainda que Picasso continue a recorrer a processos cubistas nos anos seguintes. 
No fim de Maio de 1916, Cocteau leva Diaghilev ao atelier e, em Agosto, Picasso aceita colaborar na Parade. Realiza os cenários e os figurinos no ano seguinte em Roma, e conhece Olga Kokhlova, bailarina dos Ballets Russes com quem casa em 1918. Em 1917, o Portrait d'Olga dans un fauteuil (Museu Picasso) inicia o regresso a um aparente classicismo, que se estende até 1925 em alternância com uma figuração de tendência monumental (La Lecture de la lettre, 1921, Deux femmes courant sur la plage, 1922, Museu Picasso) e telas onde os recortes formais propõem uma versão policiada das audácias cubistas (Arlequin au violon, 1918, Cleveland Museum of Art) - enquanto que a colaboração com os Ballets Russes prossegue o(Le Tricorne, 1919, Pulcinella, 1920), e que Picasso saboreia o charme da vida mundana. A segurança do seu grafismo leva-o a criar retratos dos seus amigos (Satie, Stravinsky, Breton...) e autoriza o puzzle visual dos Trois Musiciens (1921, MoMA) com um aparato de mestria que toca o academismo (Arlequin assis, portrait du peintre Jacinto Salvado, 1923, Kunstmuseum, Bâle) senão mesmo a frivolidade (Paul sur un âne, 1923, col. part.). A La Danse (Tate Gallery) rompe em 1925 com este período pacifista e inaugura dez anos onde abundam deformações dos corpos e dos rostos. É também em 1925 que Picasso participa na Primeira Exposição Colectiva do Surrealismo: esta camaradagem duradoura, que tem menos a ver com o movimento e os seus princípios e mais com os indivíduos, pintores ou poetas, que o constituem, tornou-se possível pela exploração que Picasso elabora, ardentemente, dos seus medos e obsessões. Às serenas deusas sucedem-se mulheres monstruosas do período de Dinard (1928-1929): os membros alongam-se, os corpos retorcem-se, a cor atinge uma intensa agressividade que corresponde a uma interpretação trágica ou cruel da sexualidade (Le Baiser, 1925, Museu Picasso). Raras são as figuras que atingem, para lá das sua contorsões, uma nova harmonia (La Nageuse, 1929, L'Acrobate, 1930, Museu Picasso). Mais frequentes são as visões de pesadelos (Figures au bord de la mer, 1931, Femme lançant une pierre, 1931, Museu Picasso), e mesmo as naturezas-mortas são submetidas a uma interpretação que lança as formas numa circulação dinâmica muito inquietante (Grande nature morte au guéridon, 1931, Museu Picasso). É só a partir de 1932 que a presença de uma nova companheira, Marie-Thérése Walter, suscita retratos mais calmos, de formas docemente arredondadas (Le Rêve, 1932, col. particular, Nova Yorque, La Lecture, 1932, museu Picasso).
Mas ao longo deste período, é talvez na escultura e nas "construções" que Picasso se mostra mais próximo do surrealismo. Às assemblages de telas, fios e cartão juntam-se em 1928 as frágeis e simultaneamente imperiosas construções em fio de ferro, verdadeiras transposições espaciais de uma complexa rede gráfica (Projet pour un monument à Apollinaire, Museu Picasso), depois os quadros-relevos que são como paisagens oníricas e as cabeças em metais soldados, eventualmente pintados. Na sua residência de Boisgeloup, Picasso esculpe figuras delgadas antes de abordar bustos e cabeças compostas pela junção de formas ovóides, depois das assemblages de diversos objectos fundidos em bronze (Femme au feuillage, 1934, Museu Picasso).
Ao longo desta primeira metade dos anos trinta, a obra desenhada e gravada desenvolve-se igualmente com intensidade: aí Picasso nela traduz as suas obsessões recorrendo ao mito do Minotauro, depois associando-o á corrida para a espantosa série Minotauromachie. Paralelamente, inicia uma reflexão, doravante permanente sobre a própria criação artística na Suite Vollard, desenvolvendo complexas relações, fascinadas, agressivas e eróticas entre o pintor e o escultor, o seu modelo e as suas referências históricas ou mitológicas. Retirado Boisgeloup, Picasso não se contenta em esculpir, enquanto os seus problemas sentimentais afrouxam a sua vontade de pintar: experimenta a escrita poética praticando um automatismo desordenado, acerca do qual Breton apresenta os resultados nos Cahiers d'Art em Outubro de 1935. O encontro com Dora Maar, amiga muito politizada dos surrealistas, por intermédio de Eluard, confirma os seus pressentimentos a propósito da realidade política: realiza a Femme qui pleure em 1937, o próprio ano da série de gravuras Songe et mensonge de Franco e, sobretudo, de Guernica, que excede o seu pretexto "local" e interliga símbolos de horror e de morte de alusões autobiográficas para testemunhar um mundo conturbado. Exposta no Pavilhão da República Espanhola da Exposição Internacional de Paris, Guernica deve a seu sucesso e o seu significado universal, não só à sua lenta maturação (mais de duzentos trabalhos preparatórios), mas também à convergência que aí se realiza entre história colectiva e subjectividade do artista, coincidência rara na medida em que o próprio Picasso não beneficiará dela posteriomente: em 1951, o Massacre en Corée, de dimensões mais modestas, está longe de atingir uma intensidade comparável e só se distingue que é contemporâneo pelo facto de ser uma pintura igualmente "comprometida". 
Ainda que, no período imediatamente antes da guerra, Picasso tente compensar os seus terrores numa série de calmos retratos de Marie-Thérése, a versão dupla, em 1939, do Chat saisissant un oiseau assinala a eminência de uma explosão de crueldade. Em Royan, em Setembro de 1939, depois em Paris até ao fim da guerra, pinta as pessoas que lhe estão próximas e trata rostos e corpos como elementos de um vocabulário, experimentando múltiplas combinações para que as cabeças girem e se desdobrem, que os corpos obedeçam a leis prioritariamente plásticas (Femme se coiffant, 1940, L'Aubade, 1942, MNAM, Paris). Intercalam-se naturezas-mortas de tonalidade sombria (Nature morte à la tête de boeuf, 1942, Pichet et squelette, 1945) e esculturas realizadas no atelier da Rue des Grands-Augustins: a célebre assemblage transformando um selim e um guiador de bicicleta em Tête de taureau (1943), L'Homme au mouton (1944) que, depois de muitas tentativas e de inumeráveis desenhos preparatórios, acede, na sua simplicidade final, a uma intemporalidade susceptível de reunir os ecos de toda a escultura clássica, dos Gregos a Rodin, ao mesmo tempo que testemunha simultaneamente o sofrimento e a fé no futuro. 
Em Outubro de 1944, Picasso anuncia na L'Humanité a sua adesão ao partido comunista: "Tenho consciência de ter lutado através da minha pintura como um verdadeiro revolucionário. Mas compreendi agora que isso não é suficiente; estes anos de terrível opressão demonstraram-me que devia não só combater através da minha arte, mas através de mim próprio" (isto vai-lhe valer, entre outras coisas, a abertura de um dossier no FBI e a apreensão do visto necessário para a entrada nos USA em 1950). Esta nova camaradagem não implica, contudo, da sua parte qualquer concessão estilística: mantém-se fora dos debates sobre o realismo socialista que prega Aragon e, quando este lhe pede um retrato de Estaline para Les Lettres françaises, provoca involuntariamente um escândalo entre os militantes do partido que não apreciaram unanimamente o rosto que ele deu ao defunto "avô dos povos" - mas dá a Picasso uma nova dimensão: combatendo pela paz, adquire celebridade mundial - que vai para além dos amantes da arte - com a sua Colombe de 1949, universalmente reproduzida ainda que continue quase ausente dos museus franceses.
A sua pintura do pós-guerra é no entanto, a do indivíduo feliz, para quem o combate político não é uma preocupação prioritária: uma nova companheira Françoise Gilot, conhecida em 1945, partilha a sua vida, e afasta-se de Paris para se instalar no midi: Vallauris (1948), Cannes (1955), Vauvenargues (1958), Mougins (1961), onde a sua notoriedade chama uma vaga de visitantes. Em todas as suas residências-atelier, acumula telas e desenhos, assim como a colecção que forma sobre cada um dos seus próprios períodos, a sua colecção de obras de outros artistas que aprecia (de Douanier Rousseau a Derain ou a Matisse). A atmosfera mediterrânica suscita telas coloridas onde as formas visíveis continuam a ser confundidas, não de forma trágica, mas numa atmosfera mais apolínea que dionisíaca, mesmo que o recurso a temas tauromáquicos re-introduz periodicamente, nos desenhos e nas numerosas gravuras ou litografias o sentido da precaridade da vida. Os retratos dos seus filhos alternam com os de F. Gilot e com importantes esculturas de objectos realizados em assemblages (Femme enceinte, 1949, Femme à la poussette, 1950, La Chêvre, 1950, Guenon et son petit, 1951) ou em tela cortada, dobrada e pintada. A partir de 1947, a descoberta da cerâmica em Vallauris leva à criação de centenas de peças muito fantasistas: garrafas, pichéis, pratos, corujas e animais em terra incisa e pintada. A multiplicidade destas actividades é acompanhada com um regresso periódico ao desenho "clássico" e de uma apropriação de quadros célebres: a partir de 1950, as Demoiselles des bords de la Seine (Courbet) depois as Femmes d'Alger de Delacroix (1955) dão lugar a numerosas variantes, sem que a crítica, um pouco desorientada, reserve um acolhimento muito entusiasta ao que parecia significar no pintor um desejo em verificar que a história da pintura se revê na sua obra. 
Em 1953, F. Gilot afasta-se. Picasso passa então por um período de inquietação, ainda assombrado pela morte de Matisse em 1954: os dois pintores tinham sido rivais e cúmplices nas suas exigências, ligados por uma "amizade estrelar" (Nietzsche). Mas o encontro com Jacqueline Roque - que se torna sua mulher em 1961 - repõe-lhe o gosto de pintar preferindo viver um pouco afastado dos seus admiradores (por vezes) fechado na vila "La Californie". A série de telas dedicadas ao L'Atelier (1956) é talvez uma dupla saudação a Matisse e a Braque, mas é sobretudo uma pintura que pensa sobre as suas próprias condições de execução - reflexão reforçada no trabalho de releitura do passado que prossegue em 1957 com as Meninas de Velasquez, em 1960 com o Déjeuner sur l'herbe de Manet. Em 1966, é organizada uma Hommage à Pablo Picasso no Grand Palais. Cinco anos mais tarde, é no Louvre que é festejado o seu nonagésimo aniversário. Festejado no mundo inteiro, Picasso nunca foi reconhecido pelas autoridades: em Madrid, a organização de uma sessão de homenagem salda-se pela detenção do crítico Moreno Galvan e de E. Sempere (só em 1981, depois do restabelecimento da democracia, é que Guernica, confiado desde 1939 ao MoMA, se junta a Madrid). Exposições mostram as suas últimas telas, de uma realização desenvolvida em perfeita liberdade: o pintor retoma os seus temas preferidos, muitas vezes em grandes formatos - nús, cenas amorosas, paisagens, auto-retratos irónicos em velhos ou em mosqueteiro emplumado. A cor é estridente, o gesto soberanamente solto, mas estes conjuntos, convencionalmente saudados como vindo de um artista "que pode tudo permitir-se", não provoca a crítica: lê-se nestes nús, nestes sexos exibidos, nestas repetições do pintor e do seu modelo, à escolha, uma solicitação obsessiva ou a demonstração de uma excepcional vitalidade, mas que dá a sensação de um certo vazio. 
Picasso, com efeito, não influencia mais os jovens artistas após os anos cinquenta. A obra prossegue na solidão, ignorando claramente os avanços da abstracção, mas recenseando as liberdades que autorizam todas as formas de figuração. Ela ainda poderá vir a ser considerada como exemplar, nomeadamente no frenesim dos últimos anos (mais de mil pinturas, desenhos e estampas de 1960 a 1973), pelos movimentos de vanguarda e pelo regresso à figuração proposto pela bad painting. "A obra de Picasso foi um balanço, uma revisão de toda a história da pintura, no fim de contas uma análise, dirá Miró. Permitiu-nos, a nós que viemos depois dele, encontrar as portas abertas". Estas portas, de pintores tão diferentes como Gris, jovem Pollock ou Lam libertaram-nos à sua maneira, escapando ao fascínio esterilizante dos discípulos mais "fiés" que serão momentaneamente Dominguez ou Pignon. Se Picasso se mantém o principal símbolo da aventura artística da primeira metade do século, é principalmente porque o cubismo rompeu om as convenções herdadas do século XIX, e em seguida porque ele fez da pintura um espaço onde se podem misturar pulsões individuais e fobias colectivas. "Picasso entrega-se a pintar aquilo que a natureza não saberia em nenhum dos casos produzir", escreve em 1975 Roger Caillois, que o considera como o sintoma de uma época incapaz de manter a significação da arte: "liquidador avisado e sardónico de uma empresa secular da qual pressentia... a dissolução próxima".