Salvador Dalí

 

 

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Dalí Salvador (1904, Figueras - 1989, Figueras)

  Pintor espanhol. Oriundo de uma família burguesa, aprende a dominar as técnicas académicas nas Belas-Artes de Madrid, interessando-se simultaneamente pelo cubismo e pelo futurismo, sendo expulso daquela escola em 1923 por indisciplina. Torna-se amigo de Lorca e Buñuel, descobre Freud, e realiza a sua primeira exposição individual em Barcelona, em 1925, onde apresenta paisagens marinhas. Projecta para Buñuel, o cenário de Un Chien andalou (realizado em 1928), que contribuirá para a sua integração no grupo surrealista. Em Paris, encontra-se com Picasso e Breton, que o acolhem favoravelmente, pelo facto de ele colocar ao serviço do grupo, a partir de 1929, uma actividade efervescente, um inegável sentido do escândalo publicitário e uma vivacidade que vem, sem dúvida, equilibrar as dificuldades então provocadas pelo empenhamento político dos surrealistas. Dalí desenvolve durante alguns anos - de forma particularmente intensa - o método que qualifica de "paranóico-crítico", "método espontâneo de conhecimento irracional baseado na objectivação crítica e sistemática das associações e das interpretações delirantes", que lhe permite expor as suas próprias obsessões e fantasmas, encontrando em formas anteriores (aleatórias ou já consagradas como artísticas: telas de Millet, cartões postais, praias, macrofotografias) outras formas que pormenoriza através da sua técnica meticulosa. É a época de Jeu lugubre (1929), Persistance de la mémoire (1931) ou Objets surréalistes indicateurs de la mémoire instantanée (1932): formas moles, anamorfoses, figuras com sentido duplo tratadas em trompe-l'oeil constituem incontestavelmente um universo singular, impregnado de erotismo, de escatologia e de um fascínio pelos processos de decomposição reforçado pelas produções noutros domínios - objectos com funcionamentos simbólicos, poemas (La Femme visible, 1930, L'amour et la mémoire, 1931), cenário para L'âge d'or (1930). Rapidamente, porém, torna-se evidente que a paranóia crítica contradiz o automatismo, pelo que esta pressupõe de orientação sistemática das interpretações, e Breton não tarda a mostrar-se reticente relativamente aos monstros criados por Dalí que apenas se prestam a uma leitura unívoca, por conseguinte, empobrecedora. A partir de 1934, a ruptura está eminente. As declarações delirantes de Dalí no âmbito da política, nomeadamente o seu fascínio por Hitler, parecem incompatíveis com a ética do surrealismo. Os laços são definitivamente cortados em 1939, na altura em que o pintor adere ao franquismo. Mas Dalí converte-se progressivamente,  para o público, no surrealista por excelência (chegando mesmo vangloriar-se da opinião de Freud que em 1938 o considera o único caso interessante de um surrealismo do qual confessa não entender a finalidade), praticando em todos os domínios uma especulação exibicionista para alimentar a sua invejável reputação. De facto, por volta de 1936, regressa ao classicismo, italiano, espanhol ou híbrido, pouco importa. Nos EUA, onde vive entre 1939 e 1948, aperfeiçoa a sua figura de excêntrico genial, enquanto Breton lhe atribui, em 1940, a alcunha de Avida Dollars. Quando regressa a Espanha, a Port Lligat, é com a finalidade de agitar periodicamente as crónicas mundanas dos magazines: evocam-se as festas que organiza, a sua "loucura" cuidadosamente encenada, as pompas do seu casamento religioso, em 1958, com Gala (ex-Eluard) que conhece em 1929 e se torna a única mulher da sua vida, musa, modelo e agente. Dalí decreta que Meissonier vale mais que Picasso, que a estação de Perpignan é o centro do mundo e que o franquismo salvou a Espanha. É, de facto, o que se espera dele. Entretanto, a sua pintura sobrevive graças à sua técnica apurada - multiplicando as falsas audácias (Christ de Saint Jean de la Croix, 1951, ou Crucificação de 1954) - e à publicidade gerada em torno das suas teorias nucleares ou das suas "invenções" de relevos por anaglifos. Dedicando-se à escultura a partir de 1956, Dalí contenta-se em retomar os temas das suas telas: Vénus das gavetas, elefantes com patas de aranha, relógios, entre outras, feitas em bronze ou em cristal. Quanto às litografias do pós-guerra, testemunham geralmente uma preocupação financeira: tiragens incontroláveis e assinaturas mais ou menos autênticas contribuem para lançar o descrédito no mercado dos múltiplos nos anos 60. Mas tais escândalos, como a denúncia de falsos Dali, nos anos 70, alimentam um mito duradouro e eficaz, a avaliar pelo sucesso das grandes exposições que periodicamente celebram o seu "génio". Inaugurado em 1974 e inteiramente concebido pelo artista como um "gigantesco objecto surrealista", o Teatro-Museu Dalí de Figueras confirma amplamente um "delírio" cuidadosamente programado. Os seus cinco andares, passando por um circuito de muralhas sobrepujadas por ovos desmesurados, exibem até à saturação temas obsessivos, sublimação do kitsch, e obras (telas, objectos, ambientes) através das quais se adivinha a passagem da paranóia-crítica dos anos férteis (Métamorphose paranoiaque du visage de Gala, 1932) à exploração espectacular dos seus primeiros achados. Uma parte da colecção privada de Dalí confirma o seu gosto pela pintura oitocentista: Bouguereau e Meissonnier têm ali um lugar de honra, rivalizando com Duchamp.